
COMICS & MANGÁS
Mesmo com barulho de liquidificador, Leonardo Kitsune, um dos maiores responsáveis pelo vlog: Video Quest, hoje com aproximadamente trinta mil inscritos, não perdeu o raciocínio ao responder sobre as consequências do aumento do poder de voz feminino no mundo otaku, além de também contar a pré-história do vlog e esclarecer quem está apto a concorrer com o monstro One Piece.
MANGÁS E O VLOG VIDEO QUEST COM LEONARDO KITSUNE
Quer saber mais sobre o Video Quest? Clique aqui em baixo e confira o vlog do nosso entrevistado.
Como/quando surgiu seu interesse por mangás?
Como muitas pessoas da minha idade, com Cavaleiros do Zodíaco exibido pela TV Manchete, na época em que a gente – eu, meu irmão e o pessoal do prédio - nem sabia que tinha um nome diferente essas coisas – anime. O interesse pela mídia em si, foi quando comecei a comprar aquelas revistinhas, tipo “Anime Do” que falavam sobre séries que nunca tinham passado no Brasil, e tratavam como “anime”, “isso é do Japão”. Daí a partir dessas denominações, comecei a correr atrás dos materiais semelhantes a esses nomes junto do meu irmão, eu lembro que o primeiro mangá que compramos foi: Dragon Ball (nova leva) no ano de 2000 e desde então compramos sem parar.
Você acha que o otaku exagera nas críticas para os mangás ao ponto de mudar rumos das estórias?
O otaku não é tão diferente do outro nerd, vamos dizer assim. No sentido de que eles defendem aquilo que gostam usando apenas a superfície da coisa (de um modo até possessivo) e cobrando do outro o mesmo nível de seriedade que ela tem por X, porque se não ele não pode falar (isso é uma coisa que já faz com que perca a razão – para mim). Rola muita briga por coisas insignificantes: “Quem é o personagem mais forte?” e eu fico “Porra, qual é o ponto?”. Sobre mudar os rumos dos mangás, obviamente isso acontece com o leitor japonês, porque aqui nós somos completamente insignificantes (risos). Da para perceber casos de personagens que não tinham a mínima importância e de repente acabam tendo momentos de super destaque após votações de popularidade no Japão. Um caso recente é o do Shingeki no Kyojin (Ataque dos Titãs) em que o próprio autor falou que não só alongou a estória – por conta do sucesso – como também considera a possibilidade de mudar o final de algo mais pesado para algo mais tranquilo, porque tem fãs demais para decepcionar.
Num vídeo do VQ você pauta o fato do otaku ter problemas com a tradução e até argumentou que nesse processo não tem como não ocorrer perdas, por questões culturais etc. Por que você acha que existe tanta “picuinha” em cima disso?
Primeiro porquê tem aquela questão de possessividade, o fã acha que sabe mais. Na minha época de pivete, víamos a coisa pela tevê e eu não tinha como bater determinada informação com ninguém, se o cara falou que ele está no Planeta Namekusei (Dragon Ball Z) e ele é um namekuseijin, eu aceito, ponto. Eu não tenho como pesquisar isso, eu não sei japonês, o que o cara me der, eu aceito. Hoje estamos numa via contraria, toda editora que vai trazer alguma coisa pra cá, ela trás para um público que já conhece o mangá/anime – por vias ilegais, o que é uma coisa absolutamente normal – e esse nem sempre é traduzido por um cara especializado, que teve acesso às informações corretas do texto em si. Um caso que acontece o tempo todo é: um cara pega algo do scan chinês uma coisa que foi traduzida do japonês, traduz para o inglês (e a gente nem sabe se ele domina de fato os idiomas) e aí o cara aqui no Brasil traduz do inglês pro português. A única outra língua que eu conheço é o inglês, e quando vejo fansubs fica muito claro que o cara traduziu ao pé da letra, ou seja, a frase “I’m using to that” vira “Eu estou usado a isso” e não “Eu estou acostumado a isso”. Então se o fã já pega dessa fonte (que a gente não sabe a procedência) e se acostuma primeiro com isso, cria-se um culto baseado na coisa “errada” e acontece essa cadeia de acontecimentos de achar que determinada tradução está errada e cobrar da editora a tradução baseada no diferente, que não necessariamente está certa. Você NUNCA vai ter a experiência original de leitura, a não ser que saiba a língua e a cultura, no caso: japonesa, e leia.
Como foi o processo de criação do Video Quest?
A idéia surgiu de um amigo meu, que tinha um projeto pra televisão. Fomos atrás de patrocínio, até que eu fui lentamente percebendo que não éramos ninguém e por isso nunca nos levaríamos a sério (risos), daí eu cheguei pra ele e falei “vamos fazer para internet primeiro, vamos ser alguém antes de dizermos que somos alguém.”. E esse amigo meu foi pra Bahia e eu e o Fabio Urso começamos aqui enquanto ele estava lá. O VQ nasceu como idéia depois de notarmos as nossas conversas idiotas sobre mangá/anime, “As pessoas vão gostar das nossas conversas, a gente é tão legal e inteligente” essa arrogância toda (risos). O nome surgiu de um erro de um amigo meu, não tínhamos nome e chamavámos de “Videocast” - eu achava o nome “vlog” idiota - aí ele falou “Ôh vocês não vão fazer aquele tal Video Quest?”, aí eu falei “Não, mas esse nome é legal!”.
O canal vem sofrendo umas alterações, agora ele aborda: filmes, comics...qual o motivo dessas mudanças?
Nós tínhamos o jeitão antigo, que até eu gosto mais, era bem legal, porém muito trabalhoso e complicado de fazer, com edições que duravam umas quinze horas para deixar um vídeo de quinze, vinte minutos pronto. O youtube é cruel e enquanto você não posta material novo, o site não mostra para os outros o seu canal, ou seja, é necessário ter uma agilidade, portanto, eu não posso ficar “preso” durante três semanas para ter um vídeo. Daí mudou o esquema, para algo mais simples que traz muito mais liberdade (“podemos” falar de outras coisas) e praticidade, nada muito conceitual.
do Zodíaco”, daí eu reencontro essa menina e ela me fala que sempre foi super fã do Shiryu, “Como assim ela sempre foi fã do Shiryu?!”.
Esse aumento do “poder de voz” da mulher faz com que os autores se sintam mais pressionados a corresponder ao publico feminino?
Eu conheço pessoas que dizem que há elementos nos mangás shonen (garotos) que são para o público feminino e isso realmente acontece. Mas recentemente o Eiichiro Oda (autor de One Piece) fez uma declaração polemica, a meu ver, mal compreendida onde ele disse que se você quer mangá de menina, você não vai encontrar em One Piece e eu não vou colocar elementos disso. O que basicamente ele estava dizendo é “Eu escrevo mangá para meninos e vou colocar elementos para eles, pois eles são o objetivo, se a menina gostar, ótimo”. Naruto é um exemplo esquisito disso, o último capítulo dele é todo “quem casou com quem e seus filhos”, Naruto Gaiden (que é a histórinha extra) tem um enredo de “Quem é o meu pai?”, trama de novela clássica (definição bem preconceituosa da minha parte por sinal), e esse é um elemento não necessariamente para menino porque para eles seria a porrada, que acabou um capitulo antes. Então da para ver que o ultimo capitulo aconteceu assim, porque o mangá tem um público feminino grande ao mesmo tempo em que o Kishimoto (autor) não sabe construir personagens femininas.
colorida, o outro de cabelo amarelo e o bichinho que é um ratinho elétrico. Então a partir dessa superfície vem a denominação de que é coisa de criança e a revolta do tipo “Como pode ter violência em Cavaleiros do Zodíaco se é para criança?”. É tudo muito relativo. É uma idéia de anos que não foi adaptada para o novo, apenas se encaixa as coisas nos conceitos antigos “Isso é desenho, logo é para crianças”. Apesar de que, hoje é uma boa época para “sair do armário” e se assumir nerd.
A que se deve o fato do ocidental – de modo geral – enxergar mangá/anime como algo ligado ao público infantil?
Eu acho que é uma idéia propagada por anos e anos, desde muito antes de mangá e anime, que gibi é coisa de criança. Inclusive teve todo um movimento nos EUA para tentar mudar isso com Cavaleiro das Trevas, Watchmen... todo feito para provar que “Olha eu sou adulto sim, olha aqui: sangue...”, mas aí veio o mangá e o anime e é muito esquisito você ver as pessoas que estão de fora reconhecer que existem as coisas “adultas” quando a primeira coisa que aparece é um cara de armadura colorida, o outro de cabelo amarelo e o bichinho que é um ratinho elétrico. Então a partir dessa superfície vem a denominação de que é coisa de criança e a revolta do tipo “Como pode ter violência em Cavaleiros do Zodíaco se é para criança?”. É tudo muito relativo. É uma idéia de anos que não foi adaptada para o novo, apenas se encaixa as coisas nos conceitos antigos “Isso é desenho, logo é para crianças”. Apesar de que, hoje é uma boa época para “sair do armário” e se assumir nerd.
Você acha que isso “ser nerd é legal” se deve a internet?
Eu acho que em parte, pois a internet proporciona voz, muito do conteúdo que se cria vem dos fãs. E também você tem o fato de que houve toda uma geração, principalmente de cineastas americanos, que cresceu lendo HQ que hoje estão fazendo filme, quadrinhos. O cara que era o idiota da escola, nos anos 1970/1980, hoje ele é o cara que manda na indústria, que impõe que coloca isso forçadamente nas pessoas. Logo, ela está toda voltada para isso, não tem como você andar e não ver o Homem de Ferro, porque a porra do cartaz dele está no metrô. Ou seja, o nerd de ontem é o cara rico de hoje e está dizendo o que você deve gostar, porque agora é legal.
Quem está apto a competir com One Piece no momento já que Naruto acabou?
Isso tem que ser visto com MUITO cuidado, porque quando você olha os números do One Piece, One Piece ainda é um monstro. Vende-se um milhão e meio para dois milhões de volumes na primeira semana que ele é colocado a venda, não tem ninguém que chegue a isso, a não ser Shingeki no Kyojin (Ataque dos Titãs) – que agora está na moda, então é desse jeito. Se não me engano quem está agora competindo pelas posições lá no alto é Ansatsu Kyoushitsu (Assassinato em Sala de Aula) e eu duvido que ele chegue ao patamar, pois One Piece já está há tanto tempo e ele é tão grande, que ele não é só mais um mangá de sucesso, ele É PARTE DA CULTURA. Você teve: Astro Boy (década de 1950), Dragon Ball (década de 1980) e hoje você tem One Piece. Shingeki no Kyojin compete em vendas, mas ele nunca será o fenômeno cultural que é One Piece, eu falo isso no Japão, porque o primeiro pega mais o público ocidental que o segundo. Deve ter expressões no cotidiano do japonês baseados em OP, quem lê esse mangá, lê há quinze anos. Ou seja, se você começou a ler com dez, hoje você tem 25. Você é um cara velho, você está trabalhando – supostamente, eu espero (risos).




Você enxerga One Piece como algo no mesmo nível que Dragon Ball?
Vou ser um herege e dizer que ele chegou ao mesmo patamar. Ele passou em números há muito tempo, até porque One Piece está com 78 volumes e Dragon Ball terminou em 42. E culturalmente está no mesmo nível no Japão. Aqui o difícil é desbancar Cavaleiros e Dragon Ball. Agora, Naruto é um fenômeno muito maior fora do Japão do que One Piece, é algo assustador. Para se ter uma idéia, eu faço curso de dublagem junto com teatro, e o meu professor de teatro, é muito professor de teatro, ele é um cara que fala coisas do tipo “Respirem fundo, o corpo de vocês é um canal que liga o céu e a terra...” sem exagero, até certo dia a gente fazer uma piadinha com Naruto e o professor confessar que não só conhece como também assiste e é viciado. ESSE CARA, esse cara, esse cara é viciado e fala como fã “Nossa aquele luta do Shikamaru foi tão legal!”, um cara normal, ele assiste UOL vídeos, ele não conhece o conceito de filler, ele não sabe que tem uma revista de mesmo nome e com as mesmas estórias. E One Piece nem chega aos pés disso no ocidente.
A última pergunta, talvez polêmica: Quando vai sair o VQ sobre Code Geass?
Ah, isso é uma coisa muito importante realmente (risos). A resposta oficial é: nunca. Eu não vou quebrar o mistério, é uma das coisas mais legais que a gente criou em quatro anos e meio de VQ (risos). Nós temos planos para Code Geass, mas eu não posso falar.

É bem comum no ciclo de amigos aquelas discussões sobre personagem X ser melhor que Y etc. Qual é(são) o(s) personagem(ns) que você defende com unhas e dentes nesses momentos? Por quê?
Quando eu era pivete o meu favorito era o Shiryu do Cavaleiros do Zodíaco, porque não tem como você não gostar do Shiryu. Ele é um cara cabeludo com uma tatuagem de dragão nas costas e isso é a coisa mais legal do mundo, ponto (risos). Aí depois eu cresci e percebi que o Shiryu é um personagem horrível, que não tem nada de excepcional. Atualmente o meu personagem preferido é o Shinji do mangá: Neon Genesis Evangelion, que é muito criticado com “argumentos” como “Ele é um bosta!”, “Ele é um idiota!”. Ele é um bosta, um idiota e esse é o ponto, a função dele na história.

A que se deve o aumento da imersão feminina nesse mundo otaku?
Eu não acho que está aumentando o número, eu acho que sempre foi grande o público feminino, mas hoje tem espaço e início de uma criação de um ambiente menos hostil (ainda é muito) em que as meninas/mulheres podem falar sobre, estamos meio que começando a perceber “Ah, elas estão aí”, só que elas sempre estiveram aí. Converso com amigas minhas que estudaram comigo na oitava série, isso em 2000 (estou velho) e naquela época as meninas não gostava disso – na minha cabeça de moleque: “Meninas não gostam de Cavaleiros

A que se deve o fato do ocidental – de modo geral – enxergar mangá/anime como algo ligado ao público infantil?
Eu acho que é uma idéia propagada por anos e anos, desde muito antes de mangá e anime, que gibi é coisa de criança. Inclusive teve todo um movimento nos EUA para tentar mudar isso com Cavaleiro das Trevas, Watchmen... todo feito para provar que “Olha eu sou adulto sim, olha aqui: sangue...”, mas aí veio o mangá e o anime e é muito esquisito você ver as pessoas que estão de fora reconhecer que existem as coisas “adultas” quando a primeira coisa que aparece é um cara de armadura
Parte do último capítulo de Naruto Shippuden